Autismo: Arte e música são utilizadas no tratamento de crianças e adultos autistas

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Abril foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o mês Azul, de conscientização do autismo. Segundo dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), uma a cada 36 crianças é diagnosticada com autismo. O TEA (Transtorno do Espectro Autista) não é considerado uma doença nem uma síndrome, mas sim uma condição de saúde caracterizada por um distúrbio do neurodesenvolvimento.

Com o aumento de diagnósticos e de pesquisas sobre o assunto, o TEA tem conquistado a atenção das pessoas. Como o transtorno não tem cura, o Núcleo de Arte e Inclusão do Autista (Naia), em Goiânia (GO), encontrou na música e na arte mecanismo para ajudar no desenvolvimento pessoal e social de crianças e adultos diagnosticados com o espectro.

Lorena Valle, coordenadora do Naia e mãe de um adolescente autista, contou ao portal A Saúde, sobre como a arte tem mudado a vida de seu filho e de outras 150 pessoas atendidas pelo projeto. “Talvez nunca tenhamos um mundo preparado para lidar com pessoas autistas, então trabalhamos para que o autista consiga viver em sociedade e ter uma qualidade de vida”.

Centro de tratamento do autismo
O Núcleo de Arte e Inclusão do Autista (Naia), em Goiânia (GO), encontrou na música e na arte mecanismo para ajudar no desenvolvimento pessoal e social de crianças e adultos diagnosticados com o espectro

Segundo Valle, a terapia ocupacional mais procurada pelos autistas no Naia é a musicoterapia, porém, outras também são ofertadas no núcleo. “Hoje já temos várias turmas de musicoterapia para crianças, adultos e adolescentes que se apresentam em várias casas de shows parceiras do projeto, mas também trabalhamos com a arteterapia, psicomotricidade e teatroterapia”.

Para ela, a arte e a cultura devem fazer parte da vida de todas as pessoas. “O meu filho foi diagnosticado com o TEA com sete anos e, no caso dele, a música o ajudou a lidar com todas as dificuldades e estereotipias que ele tinha. Qualquer pessoa que vive sem arte e sem uma inclusão cultural é oca”, ressalta a coordenadora do Naia.

Questionada sobre a relação da hipersensibilidade auditiva com a musicoterapia, a musicoterapeuta Beatriz Gontijo, que atua no Naia desde 2020, explica que essa característica faz parte da maioria dos autistas, porém relata que a sensibilidade não está relacionada a qualquer tipo de barulho. “A maioria possui essa irritabilidade com sons específicos, como o barulho do escapamento de moto, da ambulância e outros. Por isso, sempre fazemos uma entrevista com a família para entendermos os gostos e limitações de cada paciente”, explica a profissional.

Lorena Valle: trabalho pelo autismo
Lorena Valle: “Talvez nunca tenhamos um mundo preparado para lidar com pessoas autistas, então trabalhamos para que o autista consiga viver em sociedade e ter uma qualidade de vida”

Gontijo relata que durante as sessões, esses sons são introduzidos em menores intensidades, até que o barulho não provoque uma irritação e cause um descontrole emocional no paciente.

Ainda sobre a sensibilidade auditiva, é comum crianças e adultos autistas usarem fones de ouvido ou abafadores de som como forma de diminuir a intensidade dos barulhos do dia a dia. Valle apoia o uso das ferramentas, mas alerta que não devem ser usadas com frequência.

“Não tem como a gente proteger os nossos filhos 24 horas por dia, em algum momento vai disparar um som que pode provocar uma crise. O certo é a família adaptar a criança desde pequena, porque ela vai crescer e vai precisar arrumar emprego, namorar, sair e ter uma vida comum. E sem um acompanhamento terapêutico desde início, a vida adulta pode ser mais difícil ainda para um autista”, conta a mãe do Nilo Valle, de 12 anos.

O que é o autismo?

O TEA não é considerado uma doença e suas causas são totalmente genéticas. Os principais sinais do autismo são, a falta de contato visual por mais de dois segundos, não atender quando chamado pelo nome, isolar-se ou não se interessar por outras crianças, alinhar objetos, não falar ou não fazer gestos para mostrar algo, ter interesse restrito por um único assunto, hipersensibilidade ou hiper-reatividade sensorial e outros.

Segundo Valle, as famílias devem ficar atentas aos sinais do autismo, pois se, até aos dois anos de idade a criança não estiver falando ou possuir dificuldade motora, deve procurar atendimento com uma neuropediatra.

Outro ponto que deve ser observado e que pode ser considerado um sinal para o diagnóstico de autismo é a seletividade alimentar. “É muito difícil encontrar um autista que não tenha isso, porque normalmente eles têm essa seletividade por alimentos que tenham texturas e cores específicas”, conta a coordenadora do Naia.

Segundo Lorena Valle, o diagnóstico tardio pode causar grande sofrimento para o autismo durante o seu processo de desenvolvimento social e pessoal. “Temos autistas grau 1 que descobriram o diagnóstico com 23, 45 anos e contam como se sentiam diferentes e excluídos, porque no grau mais leve a pessoa tem a consciência de que é diferente dos outros”.

Contudo, ela explica ainda que nos casos mais severos, esses autistas são considerados portadores de alguma doença mental. “Às vezes a família não sabe como lidar com um autista nível 3 e o tranca dentro de casa e logo associam a uma doença mental. Com os acompanhamentos corretos, essa pessoa pode sim se desenvolver e ter uma qualidade de vida e social”, relata Lorena.

Como funciona o Naia?

O Núcleo de Arte e Inclusão do Autista (Naia) surgiu em 2019, poe meio de uma experiência ruim que a fundadora do projeto, Osiene Rodrigues, presenciou com sua filha autista em uma outra clínica.

“Todo ano tinha um teatro onde as crianças se apresentavam para os pais e como ela é uma autista não verbal, não era incluída na peça. Isso aconteceu por dois anos, no terceiro a minha amiga tirou a filha da clínica e abriu o Naia, porque queria que todas as crianças excluídas fossem incluídas artisticamente”, conta Lorena Valle, amiga de Osiene e coordenadora do projeto.

O núcleo não tem fins lucrativos e não recebe verbas públicas. Com o objetivo de oferecer um atendimento à população, o projeto atende mediante uma mensalidade no valor social, onde oferecem atendimentos terapêuticos quatro vezes por semana, além de reuniões e encontros mensais de apoio às famílias.

O núcleo é localizado dentro do Parque Areião, no Setor Pedro Ludovico, em Goiânia. Atualmente conta com cinco terapeutas que realizam esses atendimentos individuais e, em alguns casos, em grupo.

Além de bebês de oito meses de idade, o projeto também atende pessoas de todas as idades. O autista com maior idade atendido pelo Naia tem 53 anos de idade e recebeu o diagnóstico recentemente.

Thiago Mota, musicoterapeuta do Naia, explica que, com a chegada de um novo paciente ao núcleo, o terapeuta realiza uma entrevista com a família para entender melhor sobre suas especificações. Logo em seguida é traçado um plano individual.

“Aqui temos vários tipos de autistas e de todos os graus, mas cada um tem o seu estilo musical favorito, tom favorito, instrumentos favoritos e por isso temos que trabalhar com cada de formas diferentes. Quando ele não é musical, passamos para outras terapias até que ele se adapte em alguma. Temos também pacientes adultos que não participam das terapias, mas participam das reuniões e das conversas em grupos”, explica o terapeuta.

O Naia também desenvolve um outro projeto dentro do núcleo chamado “Autismo no palco”, onde os autistas, que têm interesse, se apresentam em casas de shows parceiras do Naia. As apresentações acontecem todos os anos e, além de cantar, também tocam instrumentos.

“Esse projeto é algo muito empolgante para eles. O Nilo ama cantar e ele participa de tudo que envolve música, mas isso foi graças à musicoterapia. Todas as crianças e adultos do Naia podem participar e a casa de show reserva uma noite específica só para as apresentações deles. É algo muito bonito e emocionante!”, conta Valle.

Desafios enfrentados pelo autista

Além das dificuldades e limitações enfrentadas, outro fator que também faz parte da rotina do autista e de sua família, é o preconceito. “O autismo não tem uma característica física, então existem situações que as pessoas no espectro são julgadas como birrentas, chatas para comer e várias outras coisas que acontecem no dia a dia do autista. Esses olhares de julgamento doem muito”, desabafa a mãe de Nilo.

Para a coordenadora, a inclusão social é o fator essencial para a aumentar a qualidade de vida dos autistas e de suas famílias. “Enquanto a sociedade não for educada para aceitar e respeitar as diferenças, nossos autistas não serão aceitos e vão continuar sendo excluídos de situações comuns, como entrevistas de emprego, brincadeiras na escola, peças teatrais e outros”, explica Valle.

Em uma das reuniões com os pais, Lorena Valle conta que uma mãe relatou sobre o dia que passou uma situação constrangedora com o filho criança e autista, na feira. “A maioria dos autistas são invocados com alguma cor e essa mamãe foi com o filho para feira. Ele viu uma maçã vermelha, correu, pegou e não queria largar mais. O feirante começou a gritar dizendo que ele tinha roubado a maçã e ela tentando explicar que ia pagar, mas a falta de compreensão das pessoas é algo que prejudica essa socialização”.

Questionada sobre os objetos de identificação de uma pessoa autista, como pulseira, camiseta e crachás com o símbolo do autismo, sendo um quebra-cabeça colorido, a coordenadora conta que é algo essencial, mas não evita os julgamentos quando acontece algum episódio em público.

“Um autista pode ter um episódio de desorganização emocional por qualquer coisa que saia do controle e mesmo que ele ou o responsável estejam identificados como alguém com TEA, as pessoas ainda falam que é birra, falta de surra, que os pais não dão educação e várias outras coisas absurdas”, conta Valle.

Questionadas sobre as políticas públicas aos autistas, Lorena Valle e Beatriz Gontijo desabafam que a iniciativa é muito boa, mas na prática existe falta de empatia da população. “No cotidiano, a gente presencia várias situações de preconceito, onde as pessoas não entendem porque um autista precisa de uma vaga exclusiva de estacionamento, filas preferenciais e outras coisas. É preciso educá-las para que essas políticas se tornem efetivas”, desabafa a musicoterapeuta.

“Para um autista ficar esperando muito tempo em uma fila é quase uma tortura, porque o tempo de espera deles é muito reduzido. É necessário desenvolver esses projetos para dar mais cidadania aos autistas, mas também precisa de respeito e empatia das pessoas”, conta a coordenadora e mãe de um adolescente autista. (Texto e fotos: Marinalva Sampaio)

Instagram: @naiaautismo

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