Exclusivo: Dr. Naves fala pela 1ª vez da luta contra a covid-19

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Setenta dias de ventilação assistida, 10 dias sobrevivendo por meio do aparelho ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea), traqueostomia, 16 dias em coma, 28 dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), seis pneumonias, infecção urinária e três cirurgias para retirada de escaras. Esses números resumem a batalha que o médico José Divino Naves, conhecido no meio profissional como Dr. Naves, de 60 anos, travou contra a covid-19, durante cinco meses e que o deixou com pequenas sequelas.

Nada muito relevante, diante da representatividade da vida. Muito emocionado do início ao fim da entrevista concedida para o portal “A Saúde”, ele afirmou que as lágrimas são de vitória e gratidão por toda ajuda que recebeu durante o tratamento no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo (SP). Ele fez e continua escrevendo sua história no atendimento de pacientes em Marabá, voltou à ativa desde outubro do ano passado.

Dr. Naves ingressou no curso de Medicina aos 26 anos, na Universidade Estadual do Pará (Uepa), em Belém, e concluiu aos 32 anos. Entrou para o Exército como oficial temporário e veio para Marabá “de mala e cuia”, onde irá completar 30 anos.

Mineiro de Ituiutaba (MG), ele morou muito tempo na fazenda e trabalhava como vaqueiro. Começou os estudos acima da idade normal, depois da 5ª série ainda ficou um tempo parado, porque a família não queria que ele morasse sozinho na cidade.

Venceu os desafios, formou-se em Medicina, passou oito anos no Exército, também trabalhou no antigo Hospital Celina Gonçalves, onde hoje funciona o Hospital Regional “Dr. Geraldo Veloso”, e na Climec. Depois de 10 anos, montou a Emergência, no hospital da Nagib Mutran, em Marabá, onde trabalhou 28 anos. Há um ano e meio teve de sair de lá, onde atendia pacientes com covid-19 e onde contraiu o coronavírus.

“Deixei o Pronto Socorro para ir para o consultório. Atualmente, atuo com atendimento em consultório, nas Clínicas Reunidas, na VP-8, Nova Marabá, por ter perdido um pouco da agilidade devido à covid-19”, explica ele.

Nos primeiros 20 anos da profissão, o médico trabalhava sem nenhuma folga durante o ano, na Emergência. “Finais de semana, Natal, aniversário, Dia das Mães… A emergência tem demanda todos os dias. Não me lembro de ter passado um Natal em casa, um réveillon, um final de semana, nenhuma data comemorativa. Mas, valeu a pena, muito aprendizado, muita experiência, histórias boas para contar. Trabalhava cerca de 700 horas por mês”, lembra Dr. Naves, que enxerga a Medicina do futuro por imagens, mas não é adepto das consultas on-line, pois prefere as consultas por meio do toque do contato direto com o paciente.

Tratamento

Dr. Naves contraiu a covid-19 e passou cerca de uma semana em casa, com sintomas leves, apresentava tosse e acompanhava a saturação, por meio do oxímetro, e também a pressão arterial. “Quando foi um certo dia, acordei com a saturação baixa, liguei para Roberta [filha mais velha e que foi fundamental no tratamento] e ela me levou para o hospital. Entrei direto no Regional, tinha um leito de UTI disponível, fomos bem recebidos, todos os médicos conhecidos fizeram o que era possível”, conta, acrescentando: “Infelizmente não tinha toda essa tecnologia, essa expertise que eles têm em São Paulo, após cinco dias internado eu fui intubado”.

Um dos momentos marcantes, para ele, ocorreu antes da intubação, quanto a filha Roberta, com o marido Felipe, seguravam a mão dele e ela disse: “Pai, o senhor não vai morrer. O senhor precisa acompanhar o Guilherme [neto], o senhor não pode nos deixar”, relembra o médico, se referindo ao fato de as pessoas terem medo de serem intubadas.

Antes da intubação ele foi sedado para relaxar, a partir daí acordou dias depois. A filha, a pediatra Roberta Naves, relembrou que a cena relatada foi por videochamada, mas devido ser um momento que marcou bastante ele pensou ser ao vivo. Para Naves, o tratamento com o ECMO durante dez dias foi importantíssimo.

“Sem o ECMO, não conseguiria fazer o transporte aéreo para São Paulo, a pressão estava muito baixa, medindo 4 por 0. Foram 70 dias de ventilação assistida, traqueostomia, 16 dias em coma e 28 dias na UTI”, lembra ele. Roberta conta que, na oportunidade, ligou para todas as empresas aéreas do País, para poder conseguir contratar em tempo hábil um avião, para o transporte do pai.

Sobre as doações realizadas por meio de uma vaquinha on-line, o médico destaca que foram muitas. “No início eu pedi o relatório de cada uma, porque queria agradecer pessoalmente quando ficasse curado, mas percebi que era impossível, porque o volume de papéis era grande. Minhas lágrimas são de vitória e gratidão a todos que me ajudaram”, comemora. Durante o tratamento passou por seis pneumonias, quadro de infecção urinária e três cirurgias plásticas por conta das escaras.

Ele relata a primeira lembrança após o coma, quando a filha caçula, Bárbara Naves, foi acompanhá-lo no hospital: “Ela começou a pegar na minha mão, eu abri o olho e disse ‘oi, baby!’ Foi um choque geral. Depois dormi de novo, porque estava sonolento devido à medicação, deu uma esperança muito grande. Não era só covid, foram as intercorrências, peso elevado, sedentarismo, sou asmático também”.

Roberta cita como uma das características do pai enquanto internado. “Ele era o rabugento da UTI”. Mesmo diante de temperaturas baixas, gostava de ficar sem coberta. “Durante o tempo na UTI colocaram tudo que eu gostava, futebol, matérias de boi, música sertaneja, teve uma vez que não aguentava mais sertanejo e pedi MPB. Levaram até pessoas que fazem leitura labial para entender o que eu falava”, comenta.

“Já tive no outro lado e voltei”

“Um dia eu tava em coma e tive uma experiência. Meu corpo apareceu num salão bem amplo, num espaço livre e, de repente, abriu-se uma cortina azul claro na minha frente. Eu passei pro outro lado da cortina e encontrei com todos os meus familiares e amigos que já morreram. Eu conversei com eles, falei com um tio com quem tinha intimidade e questionava se ele havia morrido de covid. Afirmei que ele morreu de infarto e falava que morri de covid. Falei também pra ele, ‘o sr. fumava escondido, mas quando ele abriu a boca veio um odor de cigarro que não respirei mais. Dei um passo atrás e a cortina fechou. Eles estavam de roupas claras. Já tive do outro lado e voltei”, narra o Dr. Naves a experiência que teve durante o coma.

 “Eu poderia ter morrido, se não tivesse tomado a vacina”

Perguntou acerca da vacinação contra a covid-19, Dr. Naves diz que sempre acreditou muito em vacinas, viu doenças sendo erradicadas por meio de imunizantes. Ele chegou a tomar as duas doses da Coronavac na data certa, mesmo assim contraiu o vírus. “Eu usava todos os EPIs [Equipamentos de Proteção Individual] no atendimento. Hoje, mesmo vendo o número de pessoas [que morreram], não levo o peso na consciência. Eu poderia ter morrido, se não tivesse tomado a vacina, por ignorância ou negativismo. A vacina, pelo menos, diminui a gravidade da doença. Atualmente tenho cinco amigos médicos com covid e as UTIs estão cheias. As pessoas vão adquirindo imunidade”, detalha.

Sequelas não afetaram a parte cognitiva

Quanto às sequelas adquiridas depois da doença, Naves afirma que tinha uma preocupação muito grande com a parte cognitiva, porque não queria parar de trabalhar, de se comunicar com pacientes, o fato de prescrever e esquecer o nome das medicações e efeitos colaterais.

“Não fiquei com sequelas nesse sentido, já a parte motora ficou um pouco debilitada, estou com neuropatia nos membros inferiores, sinto dores ainda para andar, tenho que andar com passo mais elevado para não encostar totalmente no chão. Com academia e fisioterapia eu vou recuperar. Mas, mesmo se não melhorar da sequela, já sou muito grato por ter passado por tudo isso. Consigo fazer muitas coisas sozinho, como meu churrasco, e reunir amigos”.

Dr. Naves

Dr. Naves diz que quer continuar consultando por mais 10 anos

Após passar por tudo isso, o médico lembra que a vida é um sopro e quando estamos bem, não pensamos nisso. “Quando somos jovens, 30 anos, só pensamos em trabalhar, ter uma boa condição, formar a família. Você esquece muito de si mesmo. Isso aconteceu comigo, muito trabalho, aumentei muito de peso, já fui atleta, corria diariamente, tinha prazer na corrida. Almoçava 17h e jantava 5 da manhã, tinha 3 minutos para o almoço. Aos 60 anos, com filhas formadas, a gente vira a chave e pensa mais na saúde no lazer. Isso que pretendo fazer”, diz ele, que faz planos para seguir trabalhando como médico nos próximos 10 anos.

A primogênita como peça fundamental no tratamento

A pediatra Roberta Naves, 30 anos, foi o pilar para a cura, com a ajuda das irmãs Débora e Bárbara, e ainda da mãe, Sônia. Ela diz não saber onde encontrou forças para enfrentar os obstáculos durante o tratamento do pai. A determinação já é característica da personalidade dela, mesmo assim ela narra que se surpreendeu como tudo aconteceu e foi se encaixando.

“Quando eu decido por alguma, coisa é difícil alguém mudar a minha ideia, a minha opinião. Eu tinha um propósito, trazer meu pai para casa. Esse era meu propósito. Então eu ia fazer o que fosse possível e o que não fosse possível pra trazer de volta para casa. Então, eu sou assim, apesar de que confesso que entrei num momento de transe, porque há coisas que eu não me lembro. Se você me perguntar não sei te dizer, porque as emoções eram muito grandes e depois foram se encaixando. Foi um momento de muito cansaço, estresse e medo”, conta Roberta, relatando que, de 29 de abril a 11 de maio, não se recorda de ter dormido ao menos duas horas seguidas ao dia.

Tremor, formigamento na boca, devido ao estresse, foram algumas das sensações relatadas durante o processo, pelo medo. Em meio a tantos contratempos ainda existiam as fake news. As pessoas lhe davam os pêsames no hospital, a abraçavam. “Eu dizia, meu pai está vivo, está ali dentro, ele vai sair”.

“Dentro da minha família sempre teve uma união muito forte, e meu pai sempre teve boa vontade. Comigo não tem essa história de não vai dar certo, todas as pessoas que tentaram me puxar para trás eu tirei da frente. Sempre tinha pessoas que falavam que não ia dar certo ou que o valor [do tratamento] era muito alto. Eu desligava o telefone na cara. Eu puxava para mim quando me davam a mão. Não sabia como eu ia pagar o leito, mas eu queria. Isso é fora da nossa realidade, escutei muito. Deus colocou cada pessoa nessa trajetória para tudo se encaixar. Se não fosse o poder de Deus em cada detalhe, a gente não tinha chegado ao propósito que ele permitiu. As pessoas que entraram no nosso caminho foram para nos ajudar. Eu olhava para ele e dizia: eu quero meu pai comigo mais tempo”, destaca ela.

Naves conta que, quando chegava nos lugares, as pessoas ficavam em pé, batiam palmas, era unanimidade quando falavam com ele, o nome da Roberta era citado. “Ela foi a peça fundamental nesse processo. Todos foram importantes, mas quem deu a cara para bater foi a Roberta. Alguns tem inveja branca da minha família”, brinca ele.

Outro fato curioso aconteceu quando Dr. Naves chegou a uma floricultura, depois de todo o processo do tratamento, e lá ficou sabendo que todos os dias havia encomenda de coroas para o velório e enterro dele. “Eu fui só um paciente, quem brilhou foi a Roberta. Tenho um carinho muito grande por todas as filhas, todas são importantes”, finaliza. Dr. Naves é casado com Sônia Naves, com quem tem três filhas Roberta, 30 Bárbara, 27, e Débora de 24 anos. (Reportagem e Texto: Emilly Coelho)

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